Inauguramos o Rolé Carioca Temático pelos cinemas do centro antigo! A maioria dos edifícios apontados nesse roteiro não exerce mais, hoje, sua função de sala exibidora. No entanto, esse conjunto de prédios representa a memória dos primórdios da “Sétima Arte” na cidade. Não por acaso, no trajeto entre a Praça Tiradentes e a Cinelândia, existiam dezenas de cinemas até a metade do século XX!
Na virada do século XX, o centro do Rio era reduto de novidades urbanas, a maioria trazida da França e dos EUA. Naturalmente, foi aqui que aconteceu a primeira sessão de cinema no país, em 1896. A primeira sala fixa, destinada, embora não exclusivamente, ao cinema foi inaugurada em 1897, na Rua do Ouvidor, um empreendimento ligado ao italiano Paschoal Segreto. Ao lado de bonecos automáticos, caça-níqueis, números de variedades e aparelhos de entretenimento científico, o Salão de Novidades Paris no Rio exibia também um Cinematógrafo Lumière. O interesse do público pelas exibições fez com que Segreto investisse na produção de películas – que, naquela época, eram cenas gravadas sem sequência, atores ou roteiro prévio.
A distribuição regular de eletricidade na cidade foi essencial para o estabelecimento desses espaços de lazer. A partir de 1907, mais de 20 cinematógrafos foram instalados na área da recém-inaugurada Avenida Central (atual Rio Branco). Entre os anos 1920 a 1930, a região se tornou um reduto cinematográfico muito graças ao espanhol Francisco Serrador, que vislumbrou uma ‘cidade dos cinemas’ como atração cultural, circundada pelos sofisticados prédios do Teatro Municipal e da Escola Nacional de Belas Artes. Duas empresas cariocas, os estúdios Cinédia (1930) e Atlântida (1941), consolidaram a produção nacional e desenvolveram um gênero cinematográfico capaz de atrair mais espectadores: a chanchada. De lá pra cá, os cinemas passaram por muitas transições, mas permanecem como um rico panorama para o entendimento do espaço público do Rio.
Imagem: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro/Divulgação
Inaugurado em 1872, originalmente como Teatro Cassino Franco Brasileiro, depois foi chamado de Teatro Santana até ser adquirido pelo empresário Paschoal Segreto, em 1904, quando recebeu o nome atual, em homenagem ao compositor. Paschoal deu um novo significado ao local, montando, um bar que trazia as populares mesas e cadeiras da Brahma, além de um pequeno parque de diversões num pátio. O edifício sofreu um grande incêndio em 1929 e foi reconstruído no estilo art déco, com apartamentos sobre o teatro, hoje transformados em salas comerciais. A casa chegou a ser usada como cinema nos anos 50 e 60 e por pouco não foi demolida para a construção de um hotel. Em 1988, comprado pela Prefeitura do Rio, o teatro foi restaurado e entregue ao público em 1992.
Crédito da imagem: Facebook Teatro Municipal Carlos Gomes
De 1909, o Cinematographo Ideal rivalizava com o Cine Íris, na mesma rua. Segundo consta, o Ideal passava os filmes da Pathé, e o Íris os da Universal. Na hora da exibição das películas a rua da Carioca ficava intransitável devido a quantidade de gente que se amontoava em frente aos cinemas. Em 1913, uma reforma ampliou a sala de projeção, introduzindo uma novidade à época: uma cúpula assinada por Gustave Eiffel se abria durante as sessões para renovar o ar e refrescar o ambiente. Em 1926, passou a integrar a rede de cinemas de Luiz Severiano Ribeiro. Nos anos 90, após um grande incêndio, os sobrados que formavam a sala foram vendidos.
Crédito da imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
Um dos cinemas mais antigos em funcionamento no Rio, até hoje continua nas mãos da família do fundador. Quando inaugurado em 1909 pelo empresário João Cruz Júnior, chamava-se Cinema Soberano. Em 1914, foi transformado em Theatro Victoria. Na década de 1920, ampliou a capacidade com o uso de estruturas de ferro, passando a comportar 1.200 espectadores. No terraço foi instalada a claraboia, elemento comum como forma de ventilar o ambiente, e adotou o nome Cine-Theatro Iris em referência a deusa grega. Logo após o tombamento do edifício, nos anos 80, passou a apresentar filmes eróticos com shows de strip-tease, e desde então o público passou a ser majoritariamente masculino.
Crédito da imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
Do mesmo idealizador do Cine Teatro Rex, surge uma década depois da consolidação da Cinelândia no campo do cinema, em 1935, como Cine Teatro Rio. Ocupa a mesma galeria onde hoje temos o Teatro Dulcina, também inaugurado em 1935, com o nome de Teatro Regina, num edifício em estilo art déco que ainda pode ser apreciado. Passou por diversas transições até receber o nome Orly: Cine Ok, Cine São Carlos, Cine Rivoli. Foi administrado pela Cia. Nacional Cinefilmes entre os anos 50 e 60, depois substituída pela Esplendor Filmes S. A. Em seus últimos anos, dedicava-se à exibição de filmes pornôs voltados ao público gay masculino.
Crédito da imagem: Caroline Valansi/Reprodução
Fica no andar térreo Edifício Rex, que agrega no subsolo o Teatro Rival inaugurado meses após o cine teatro, em 1934. A combinação entre cinema, teatro e prédio foi uma estratégia do idealizador do projeto, Vivaldi Leite Ribeiro, influenciado por Serrador que também investira em prédios de uso misto, buscando investimentos paralelos aos estabelecimentos de lazer. Em 1937, o cinema tinha 1.900 lugares e, em 1969, 1.607 poltronas. Sobrevive em atividade na Cinelândia com a exibição de filmes pornográficos.
Crédito da imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
Localizado no Edifício Rivoli, exemplar do estilo art déco, compunha a paisagem das adjacências da Praça Floriano ao ser inaugurado em 1942. Da mesma forma que a maioria dos cinemas da área, foi construído sob um prédio que poderia ser ocupado por atividades comerciais e/ou apartamentos. Pertencia ao Grupo Severiano Ribeiro e exibiu filmes pornôs em seus últimos anos, até fechar as portas definitivamente em 1993. Esteve abandonado até 2012, quando uma grande reforma instalou ali a Livraria Cultura. A restauração preservou elementos originais do cinema, como o piso preto e branco, o balcão, as bilheterias, a fachada e os revestimentos de mármore e granito, além deste belo painel em bronze. No momento, encontra-se fechado após o encerramento das atividades da livraria.
Crédito da imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
Primeiro cinema art déco do Rio de Janeiro, quando da sua construção, na década de 1920. Segundo consta, era o menor cinema da Cinelândia carioca, possuindo 918 lugares até 1937. Foi projetado pelo arquiteto Ricardo Wriedt e construído pela família do fotógrafo Marc Ferrez, que teve participação na introdução do cinema no Brasil. Deriva do Cinematographo Pathé, então inaugurado na Avenida Central em 1907. Após a morte do fotógrafo, a Casa Marc Ferrez inaugurou, em plena Praça Floriano, o Pathé Palace, em 1928. Agora, como outros antigos cinemas da cidade, abriga uma igreja evangélica.
Crédito da imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
Último cinema em atividade na região da Cinelândia, ao lado do Cine Rex. Funciona nos primeiros andares de um prédio de onze andares com uso misto desde 1926, mas sua origem é anterior, do início do século XX. O pianista Ernesto Nazareth se apresentou na casa no período entre 1909 até 1918, e compôs, em 1910, o famoso choro “Odeon”, em referência ao cinema. Em 1999, após um período fechado, foi reaberto pelo Grupo Estação. Em 2015, passou por nova reformulação e se tornou o Odeon Centro Cultural Severiano Ribeiro, com programação diversificada. Alterna exibição de filmes com a realização de mostras, exposições, eventos musicais, cursos, espetáculos, palestras e eventos diversos ligados à cultura.
Crédito da imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
As salas escuras do cinema, muitas vezes, não eram vistas como um ambiente familiar. Houve tentativas de promover as projeções com as luzes acesas. Era um ambiente que facilitaria a presença de oportunistas que agiam sob a proteção do quase anonimato. A figura do ”bolina”, ou bolinador, ficou associada ao assédio sofrido por mulheres durante as exibições. Bem como os “amigos do alheio”, referente aos possíveis furtos. Nesse contexto surgem os “lanterninhas”, como vigias da moral e das questões de segurança.
“Comer/ Cachorro quente lá no bar/ Por certo a moda vai pegar / Por não ser vulgar.../ Comer/ Vai toda a gente ao "quarteirão" / Pois há lingüiça em profusão / Pra comer com pão.../ Que bom lamber... / Trincar... Comer.../
Um cachorrinho tentador/ No "Quarteirão do Serrador"
O empresário Francisco Serrador ficou conhecido por investir na construção de um complexo de cine-teatros na Cinelândia inspirado na Broadway da Nova Iorque dos anos 1920, entre eles o Cine Capitólio, Glória, Império e Odeon. Mas poucos sabem que ele também introduziu no país o hábito de comer cachorro-quente, então uma novidade feita com salsinha ou linguiça que os americanos consumiam nas portas dos cinemas e teatros. A iguaria fez tanto sucesso que inspirou Lamartine Babo e Ary Barroso a comporem a marchinha de carnaval “Cachorro-quente” em 1928.
Comer pipoca nem sempre fez parte da experiência do cinema. Até o final dos anos 1920, o petisco não era visto com bons olhos pelos exibidores, que queriam manter o ambiente de luxo das salas, sem a interferência do barulho da comida e sujeira nos carpetes e poltronas. O advento do som nas películas e a recessão de 1929 popularizaram o cinema, transformando o negócio da pipoca em oportunidade para as salas. Cinemas incorporaram a iguaria vendida a preços módicos para sobreviverem como fonte de entretenimento barato. Antes restritos às entradas, os ambulantes passaram a vender dentro dos saguões até serem substituídos pelas bombonieres.
Este centro de patrimônio e conservação da memória audiovisual é a segunda cinemateca mais antiga em atividade no país. Sua sala de exibição com 180 lugares e cadeiras assinadas pelo designer Sérgio Rodrigues é uma das poucas que exibe filmes em película no Rio, atualmente. A programação, sempre gratuita, apresenta raridades do cinema em meio a cursos, sessões comentadas e mostras temáticas. Parte do seu arquivo audiovisual, um dos mais relevantes da América Latina, está aberto para consultas: são mais de 7 mil títulos em 35mm e 16mm, e cerca de 60 mil em base VHS, digital e em mídias óticas, o que é complementado pela maior coleção documental sobre cinema do país, com cerca de dois milhões e meio de itens, cartazes e imagens fotográficas.
Avenida Infante Dom Henrique, 85 – Parque do Flamengo
Tel: (21) 3883-5631
Site: https://www.mam.rio/cinemateca-programacao/
Crédito da imagem: Facebook Cinemateca do MAM