Quem poderia resistir a se deixar levar pelo mar?
Esse roteiro marca o primeiro Rolé Virtual, uma série de roteiros pensados para valorizar vistas e trajetos pouco possíveis de serem feitos no formato dos nossos Rolés caminhantes. Se por hora não podemos andar por aí, vamos ver outros ângulos da cidade nesse formato virtual! E começamos com uma visita pelo tempo e espaço que nos apresenta a relação da cidade do Rio com o Mar!
Nas lembranças da cidade conhecida como Rio de Janeiro, há uma testemunha constante: a Baía de Guanabara. Considerada uma das mais abrigadas do mundo, foi uma das principais formas de acesso à cidade, sendo também local de batalhas, comércio, vida social... Situá-la apenas como testemunha da história talvez seja ainda injusto. Mais apropriado seria tratá-la como protagonista. É nesta baía que a cidade nasce e é nomeada; foi ainda palco de incontáveis episódios; ao longo dos séculos, foi (e ainda o é) espaço fundamental para a dinâmica social da cidade. A Baía de Guanabara é um dos símbolos mais fortes do Rio de Janeiro. Sua paisagem e a sua natureza exuberante foram descritas entusiasticamente por viajantes, pintores, poetas, estudiosos e por tantos anônimos admiradores.
Crédito da imagem: Panorama de dt. Christophe. Leon Jean Baptiste Sabatier. 183- . Coleção Museu Histórico Nacional.
As belezas naturais eram de tirar o fôlego, mas o que atraia os portugueses às águas da Guanabara era sua posição estratégica: uma ampla baía bem abrigada, com proteção natural pelos morros que a cercavam. O litoral do Rio de Janeiro logo se tornou uma importante porta de escoamento dos produtos da colônia, e desta forma não tardou a ser cobiçado e muitas vezes invadido por navios de outras nacionalidades, piratas e corsários. O porto inicialmente não era um ponto único e centralizado, ocorrendo a atividade portuária na região do atual Paço Imperial até as antigas praias das Palmeiras e São Cristóvão. Pelas águas da Guanabara entraram e saíram mercadorias, chegaram pessoas de diferentes nacionalidades e com os mais variados propósitos. Com a abertura dos portos as nações amigas, o Rio de Janeiro se viu invadido pelos mais diversos produtos. No final do século XIX, inicia-se o processo de centralização do porto na região conhecida hoje como Zona Portuária.
Crédito da imagem: Cais Pharoux e Mercado da Praia do Peixe. Juan Gutierrez. 189- . Coleção Museu Histórico Nacional.
Avenida Beira Mar, estendendo-se a linha litoral do entroncamento da praia de Santa Luzia até o Largo da Glória, área que recebeu um projeto de ajardinamento e arborização com atributo de praça. A Praia de Botafogo, ocupada em meados do século XIX, também foi urbanizada com a implantação de avenida à beira-mar dotada de arborização e jardins desenhados segundo o estilo francês da época, além de equipamentos como o Teatro Guignol e um pavilhão esportivo. Essas intervenções proporcionaram à cidade uma nova fachada marítima onde o paisagismo começava a assumir um papel importante pelas mãos de arquitetos como Paulo Villón, Archimedes Silva, R. Braga, L. Rei, Azeredo Neto. Estas obras de urbanização do Centro a Botafogo podem ser consideradas como o início da expansão para o sul e de transformação da relação com o mar, num crescente diálogo entre cidade e sua orla.
Crédito da imagem: Ressaca na Avenida Beira-Mar. Augusto Malta. 1900 (acervo Biblioteca Nacional)
Enquanto no Centro as transformações da costa se consolidavam e o rompimento da topografia se completava, a urbanização avançava em direção ao sul da cidade. A expansão segue a seqüência de urbanização dos bairros da Glória, Flamengo e Botafogo e de suas respectivas praias, incluídos o ajardinamento das ruas da borda litoral. O crescimento urbano ocorrido em Botafogo no século XIX aliado à fama que foi adquirindo a Praia de Copacabana devido ao “clima esplêndido e salubre”, determinou a abertura de um primeiro acesso urbanizado em 1855, através de uma ladeira, a atual Tabajaras, propiciando a construção das primeiras casas. Com a construção do Túnel Velho em 1892, os bondes passaram a atender ao novo bairro, e com a posterior circulação de bondes elétricos o bairro prosperou, estando por volta de 1930, totalmente loteado e urbanizado. Todos concordam que era um dos mais atraentes da cidade, e certamente o mais moderno.
Crédito da imagem: Túnel Velho, Copacabana - Juan Gutierrez, 1893/1894 - Acervo Museu Histórico Nacional
O cais de pedra construído para deter as constantes ressacas delimitou a avenida da orla marítima nos seus 4,5km de extensão, criando a hoje célebre Avenida Atlântica. Esta avenida, somada ao famoso hotel que ali foi erguido em 1923, o Copacabana Palace, projetado no melhor estilo neoclássico importado da Riviera Francesa, determinaram o perfil de Copacabana inspirado no balneário mediterrâneo europeu. A partir desta época o banho de mar se tornaria uma moda no Rio de Janeiro.
Crédito da imagem: Sem título. Série Pedras Portuguesas. Bruno Veiga. 2007.
Para as comemorações do centenário da Independência (1922) e em diálogo com o projeto de um balneário tropical, surge a ideia da construção de um grande e luxuoso hotel à beira-mar. A família Guinle condiciona a empreitada à inclusão de um cassino e o hotel é projetado não apenas como hospedaria, mas como um sofisticado complexo de diversão e lazer. A inauguração do Copacabana Palace em 1923 – o “Copa”, na intimidade dos cariocas – provocou uma rápida valorização do metro-quadrado litorâneo e lançou a tradição das janelas voltadas para o mar.
Crédito da imagem: Augusto Malta, Praia de Copacabana vista do pátio do Copacabana Palace Hotel. Acervo Biblioteca Nacional
Sereia ou Princesinha do Mar, Rainha das Praias ou “A magnífica”. Copacabana é um mito representado em prosa e verso, em música, cinema, moda e estilo de vida. Antes areal distante, a Copacabana lendária já nasce inventada: associa-se a ela, uma série de palavras que compõe o imaginário que se projetava alcançar. É jovem, bela, moderna, radiante! Uma promessa de felicidade e vida plena.
Na virada do século XIX para o XX a região central estava adensada e refletia um modelo ultrapassado, pouco higiênico que em nada dialogava com o projeto de modernidade pretendido para o Brasil e o Rio de Janeiro. Copacabana começava a se apresentar como uma potência: seria o símbolo do paraíso tropical que a cidade visava representar. É a partir daí que se inicia a expansão para a Zona Sul e para o litoral oceânico. A vocação balneária do Rio começa nas areias brancas de Copacabana e cresce a ideia de praia como principal espaço de lazer.
A “Copa” do início do século XX era chamada de “o novo Rio” e logo viu suas areias cheias de corpos bronzeados. Na década de 30, o bairro é objeto de desejo e nas décadas de 40 e 50 todo o Brasil queria ser um pouco Copacabana. Destaque internacional, diz-se que nesta orla pode-se ouvir todas as línguas. Diz-se, também, que ali, sob o sol e diante do vasto oceano, o Rio de Janeiro viu nascer um mito: mais que uma praia ou um bairro, Copacabana é um ícone, uma lenda, um pedaço do Rio que é metáfora da própria cidade e da representação de um jeito de ser que o Rio de janeiro inventou e exportou.
Crédito da imagem: Sem título. Genevieve Naylor. 1941. Acervo Reznikoff Artistic Partnership e George Ermakoff.
Bossa Nova, Cinema Novo, O Pasquim, as Dunas do Barato, a tanguinha do Gabeira, os Hippies, a Contra Cultura... Ipanema bebeu goles de um sem número de conceitos, ideias e modas. Como diria Jaguar, o bairro “se intrometia na cidade e no estado, ditava moda, hábitos e costumes para o Brasil e o mundo; cagava regras”. E isso tudo acontecia quase sempre na praia.
Se no início do século XX não era popular como a vizinha Copacabana, a cena muda após a metade do século e Ipanema cresce cada vez mais em prestígio até se tornar um bairro-celebridade. O uso da orla de Ipanema vai crescendo pouco a pouco. Na década de 50 o sol brilha no Arpoador, ocupado por uma juventude em parte grã-fina, em parte transviada. Por volta de 1960 o novo point era em frente à rua Montenegro, onde se encontrava o bar Veloso, lugar que viu nascer a música “Garota de Ipanema”. Nos anos 70 o governo ergueu uma estrutura de metal que viabilizaria a construção do emissário de esgoto e ficou conhecido como Píer, eleito pela cena cultural da Zona Sul carioca o novo point da orla. O país vivia um momento político conturbado e ali se reunia uma turma que buscava um pouco de liberdade em tempos sombrios. O lugar também ficou conhecido como “Dunas do Barato”, e era frequentado por músicos, poetas, artistas plásticos, cineastas, atores e diretores de teatro, famosos e anônimos que acabaram por construir ali um território fértil, livre, criativo. Com o desmonte da estrutura e o fim do píer, o posto 9 é nova faixa de areia irradiadora de moda e revolução cultural. Nos anos 80 toda orla de Ipanema estava ocupada por diferentes tribos que escolhiam seus pontos de acordo com afinidades de estilo de vida.
Crédito da imagem: Tito Rosemberg. 1963-1968, do livro Arpoador Surf Club (2012).
O banho de mar começou a tornar-se um hábito da elite, no Reino Unido, por volta do início do século XVII. Concebido como prescrição médica e aliado à prática de exercícios físicos, o ambiente puro e a natação prometiam combater a angústia da melancolia, que contava com mais e mais casos na Europa. Entendia-se que os benefícios vinham do sal e não do sol… era preciso manter “um tom pálido, macilento, funéreo, sinal de distinção daqueles que não precisavam trabalhar sob o sol”. O banho era a alternativa contra os males da civilização, revigorante, salutar e tônico. No Brasil, o pioneiro involuntário do mergulho terapêutico foi o príncipe regente D. João, por conta de uma inflamação provocada por uma picada de carrapato que não cicatrizava. Seguindo as ordens médicas para tomar banho de mar, o monarca comprou uma quinta na praia de São Cristóvão, nos fundos do, hoje, cemitério do Caju. Ali, na então praia de areia branca, de águas cristalinas e lama medicinal, curou a sua ferida.
No final do século XIX a recente república brasileira exigia um processo de modernização, e o Rio de Janeiro tinha função simbólica neste sentido: seria o cartão postal do país e deveria ser visto como a capital do progresso.
O então presidente Rodrigues Alves nomeou o engenheiro Pereira Passos para prefeito do Rio, com a função de liderar um projeto de “Embelezamento e Saneamento da Cidade”. Na intenção de transformar o Rio numa espécie de “Paris Tropical”, o projeto previa uma profunda reforma na face e nos hábitos da capital federal. O hábito de ir à praia passava a ser mais frequente, e a orla da Zona Sul se destaca no desenho urbano. A construção da Avenida Beira-Mar também anuncia um crescente diálogo entre a cidade e sua orla. A sociedade incorpora pouco a pouco a prática de exercícios físicos recreativos. A reforma da cidade é urbana, sanitária e, também, de mentes e corpos.
O remo já era um esporte apreciado por camadas médias da população urbana do Rio de Janeiro, mas a partir das reformas do início do século XX, ganha novo status no projeto de modernidade da cidade. Se antes eram mal vistos os corpos musculosos e os exercícios físicos eram de menor valor perante às atividades intelectuais, essa realidade iria pouco a pouco mudar, e a prática do remo viraria moda na cidade. É o esporte da saúde e do desafio, adequado a uma juventude onde impera a liberdade de espírito: o esforço do homem contra o mar “educa o músculo e a moral”.
Se o progresso da nação dependia de indivíduos saudáveis, Pereira Passos não tardou a incluir em seu plano a construção de um Pavilhão de Regatas. Simbolicamente celebrava a nova Avenida Beira Mar e a prática do Remo como um divertimento moderno, saudável e civilizado. O Pavilhão tem impacto na vida social do Rio de Janeiro e rapidamente se torna o centro da juventude elegante e moderna da cidade.
Há diversas versões sobre a criação do Frescobol, como a que apresenta Millor Fernandes como um dos inventores do esporte. Outra versão defende ter sido praticado pela primeira vez por um fabricante de móveis, nas areias em frente ao Copacabana Palace. O fato é que o Frescobol, que data de meados dos anos 40, foi se espalhando rapidamente pela orla carioca e hoje é um dos esportes mais praticados nas praias brasileiras. Sobre ele, Millôr dizia ser “o único esporte com verdadeiro espírito esportivo”, pois não há vencedores ou perdedores, o objetivo é os participantes se ajudem a fim de manter a bola sem cair pelo maior tempo possível.
A história do surfe no Brasil começa a ser contada no Rio de Janeiro (embora o registro do primeiro surfista do país seja em Santos). Eles eram chamados pela imprensa da época de pranchistas. Quando da instalação do emissário submarino de Ipanema, o píer construído para as obras modificou as ondas deixando-as perfeitas para os surfistas e um novo point do surfe no Rio ficou em cena até 1974.
Um navio ameaçado pela polícia despeja 22 toneladas de maconha embaladas em cerca de 15 mil latas na orla do Rio de Janeiro. Pouco a pouco pescadores, surfistas e banhistas iam achando as latas as vésperas da alta estação de 1987, que ficou conhecido como Verão da Lata.
Nesta versão digital do catálogo da Exposição “Quando o Mar Virou Rio”, realizada em 2017 no Museu Histórico Nacional, é possível encontrar mais informações sobre a história da relação dos moradores do Rio de Janeiro com a praia - desde a origem, quando os médicos receitavam banhos de mar para curar doenças de pele ou respiratórias, até os dias atuais, incluindo a moda, os esportes e o ideal de carioquice que ganhou fama no mundo inteiro. São imagens, artigos, fotos da exposição realizadas pelo Estúdio M’Baraká e que serviu de base para a criação deste roteiro virtual do Rolé Carioca.
Esse é o canal de vendas digital da Livraria do IPP (Instituto Pereira Passos), que integra o Complexo Cultural do Instituto, junto com a Biblioteca e o Auditório Carlos Nelson Ferreira dos Santos. Referência em publicações sobre a cidade do Rio de Janeiro, a livraria possui um acervo especial sobre planejamento urbano, cartografia, estatística, meio ambiente e história. São mais de 450 títulos, entre mapas, documentos e livros sobre o Rio, incluindo publicações do próprio IPP e de outras editoras. Com o objetivo de estimular as reflexões sobre a cidade, a LIVRARIA DO IPP também realiza eventos e lançamentos de livros abertos ao público.
Lá, você pode adquirir as ilustrações da série Um Passeio no Tempo, que utilizamos neste Rolé.
Catálogo virtual da Exposição “Rio dos Navegantes”, realizada em 2019 no Museu de Arte do Rio – MAR. A mostra traz uma abordagem transversal da história do Rio de Janeiro como cidade portuária, do ponto de vista dos diversos povos, navegantes e imigrantes que desde o século XVI passaram, aportaram e por aqui viveram.
http://museudeartedorio.org.br/noticias/faca-uma-tour-virtual-pela-exposicao-o-rio-dos-navegantes/
O IMS é guardião de importantes patrimônios nas áreas de Fotografia, Música, Literatura e Iconografia e também realiza exposições de artistas plásticos brasileiros e estrangeiros. Seu acervo de fotografia, com cerca de 2 milhões de imagens, dos testemunhos do século XIX – e aqui despontam as esplêndidas imagens de Marc Ferrez – a relevantes coleções que abarcam quase todo o século XX. Nessas últimas, convém registrar nomes como os de Marcel Gautherot, José Medeiros, Maureen Bisilliat, Thomaz Farkas, Hans Gunter Flieg e Otto Stupakoff, entre outros.
O Museu da Imagem e do Som – MIS-RJ celebra e preserva a memória audiovisual da cultura brasileira, em especial do Rio de Janeiro, desenvolvendo-se como centro cultural ativo, registrando, exibindo e promovendo expressões artísticas contemporâneas.
O trabalho do MIS é proteger, preservar, guardar e conservar acervos de valor histórico e sociocultural. O Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro possui o maior acervo audiovisual do Estado, com mais de 300 mil itens, dos quais se destacam as coleções de Henrique Foreis, o Almirante, Augusto Malta, Elizeth Cardoso, Jacob do Bandolim, Nara Leão, sendo, portanto, um lugar cheio de sons, memórias e afetos.