"Sou conhecido como Julinho da Glória porque fui criado no bairro desde pequeno, minha mãe morava lá quando nasci. Tenho uma relação de amor muito grande pela região. Mesmo depois de me mudar e não residir mais ali, ainda me chamam de ‘Julinho da Gloria’. A relação é tão louca que não consigo me afastar: quando aparece um trabalho novo, é na Glória. Se arrumo uma namorada nova, ela mora na Glória. As pessoas brincam dizendo que podia me candidatar a vereador: é só parar 5 minutos ali no Vila Rica pra beber um chop que junta uma galera. Muito disso porque, no final dos anos 90, trabalhava numa empresa de som, a Proalt, e fazia muitos eventos nas redondezas: saraus no Largo do Curvelo, que é uma parte de Santa Teresa próxima, e no Aterro, ali em frente ao Monumento aos Pracinhas.
Costumo dizer que a Glória é o bairro da zona sul que tem mais cara de subúrbio. Tenho essa ligação com a região porque aproveitei muito, muito mesmo, as ruas quando era pequeno. Passava tardes soltando pipa e comendo cajá e cajá-manga nos jardins do Outeiro. Pulava o portão do Palácio São Joaquim, a Casa do Arcebispo do Rio, pra comer jambo – um pé que até hoje existe ali.
Posso dizer que acompanhei bem de perto a transformação da Glória a partir dos anos 70, com a construção do metrô. A primeira estação de metrô do Rio foi a do bairro, e a primeira viagem foi Glória-Cinelândia. Brinquei muito na obra. Naquela época, a Glória era muito diferente. O que não existe mais: as linhas de ônibus 571 e 572, Glória-Leblon, uma ia pelo Jardim Botânico, outra por Copacabana, rodando a noite inteira. Era o ‘Glorinha’, nunca deixava a gente na mão. Nos anos 80, a turma da Gloria adotava a praia do Flamengo – o ponto de encontro ficava em frente ao Hotel Glória e a praia era dividida pelos grupos de cada rua que não batiam de frente: Benjamin Constant, Candido Mendes e Santo Amaro. Na volta, o roteiro incluía uma parada na Praça do Russel, para tirar o sal do corpo no chafariz do Monumento São Sebastião, que não tinha ‘cercadinho’. Também não tinha tanto morador de rua, as coisas eram mais soltas.
Quem nasceu ou foi criado na Glória se autodenomina ‘gloriano’ e tem um orgulho quase patriótico de ser morador dali, mas tem um lado triste que é a criminalidade. Por conta da bandidagem que já morou por lá (caso do traficante Maurinho Branco que comandou o sequestro de Roberto Medina nos anos 90), os ‘glorianos’ eram muito mal vistos. Eu, que nunca roubei nada e sou preto, já sofri muito, era parado pela polícia toda hora e aí preferia dizer que morava no Catete ou na Lapa. Não gosto de ser saudosista, mas outra coisa que me entristece é que ninguém mais solta pipa no Aterro, nem no Outeiro da Glória."
O produtor cultural Júlio Barroso, 49 anos, trabalha no Ocupa Escola, projeto da Secretaria Municipal de Educação que busca ampliar o repertório cultural dos estudantes, descortinando novas referências e expressões artísticas. Ativista, foi um dos programadores culturais do Ocupa Minc-RJ e é colunista da Agência de Notícias das Favelas, a ANF. Também faz harmonia e evolução em blocos de Carnaval como Céu da Terra, Orquestra Voadora, Vem Cá Minha Flor, Bagunço e Tambores de Olokum.