A região portuária carioca não cabe em um passeio só
Artigo de Eliane Costa,
Esquecida pela mídia e desconhecida da maioria dos cariocas por dezenas de anos, a região portuária vem recebendo, nos últimos meses, um enorme contingente de pessoas que ali vão curiosas... e em busca do tempo perdido.
Por muito tempo, o viaduto da Perimetral afastou do mar a região portuária. Sua derrubada, seguida da instalação dos museus de Arte do Rio (MAR) e do Amanhã na nova Praça Mauá, descortinou a turistas e moradores da cidade uma insuspeitada e bem vinda visão da baía de Guanabara, amplificada, ainda mais, com a abertura, pela Marinha, da nova Orla Conde.
Mas o porto do Rio de Janeiro guarda muitos outros segredos e inúmeras histórias, envolvendo diferentes personagens que passaram sobre as pedras pisadas do cais... João Candido, o Mestre-Sala dos Mares foi o “Almirante negro” que se insurgiu e liderou seus companheiros contra os castigos físicos que atingiam, especialmente, os marinheiros negros como ele... Prata Preta liderou a Revolta da Vacina, que teve barricadas e bondes virados na praça da Harmonia contra a campanha de vacinação obrigatória comandada pelo doutor Oswaldo Cruz...
No final do século XIX, a atual rua Camerino era a rua do Valongo, onde ficavam os mercados de escravos. Também na Gamboa, a rua Pedro Ernesto, durante a reforma de uma casa construída no início do século XVIII, seus proprietários descobriram que estavam morando sobre um importante sítio arqueológico, o Cemitério de Pretos Novos, onde tinham sido enterrados os escravos que, vindos da África, não haviam resistido à longa e penosa viagem.
Falamos do bairro da Saúde, chamado por Heitor dos Prazeres de “a Pequena África” no Rio de Janeiro. Se os bairros portuários trazem ainda a memória desses tempos tristes, ela guarda também os ecos da flauta de Pixinguinha, pois era nos arredores da Pedra do Sal, que ele, mais Donga, Sinhô e João da Baiana faziam choros e sambas. Partindo dali, se sobe para o Morro da Conceição, onde o tempo parece ter parado e o casario segue igual há mais de cem anos.
Sim, a região portuária carioca não cabe em um passeio só.
ELIANE COSTA é consultora, pesquisadora e professora nos campos da Gestão Cultural, das Políticas Culturais e da Cultura Digital. É Mestra em Bens Culturais e Projetos Sociais pela FGV, onde coordena o MBA “Bens culturais: cultura, economia e gestão”. É Doutoranda na UFRJ/HCTE e foi Gerente de Patrocínios da Petrobras de 2003 a 2012, responsável pelos editais do Programa Petrobras Cultural e pela gestão da política cultural da empresa. É autora do livro “Jangada Digital” e co-organizadora da coletânea “De baixo para cima”, ambos disponíveis para download.