O Rolé Carioca recuperou os antigos limites do bairro do Andaraí, que já foi chamado Andaraí Grande e hoje está reduzido a poucas quadras. No percurso, vemos resquícios da memória de um dos primeiros bairros operários do Rio. Por aqui, três gerações de ‘estrangeiros’ – os escravos libertos, os imigrantes pobres e os nordestinos - reinventaram um jeito carioca de ser.
Habitado inicialmente pelos tamoios, o vale rodeado por morros do Andaraí significava terras mais elevadas e menos alagadiças para os indígenas. Já na ocupação portuguesa, pequenas fazendas ocuparam o entorno e serviam ao abastecimento dos produtores de açúcar, entre o Engenho Velho, no Largo da Segunda Feira, e o Engenho Novo, na Barão de Bom Retiro.
O Andaraí ganha uma característica diferente com a abertura da estrada do Andaraí Grande. A atual Barão de Mesquita fez a interligação com o Centro do Rio e atraiu imigrantes: portugueses, espanhóis e alemães se estabeleceram na área, não tão valorizada como a Tijuca e Vila Isabel. Tal como havia acontecido em São Cristóvão, Benfica e outras localidades próximas ao centro, as indústrias se multiplicaram. América Fabril, Confiança, Lanifício Ideal encontraram no Andaraí uma combinação perfeita: água para a produção, conexão com a baía de Guanabara, levas de imigrantes para a direção das fábricas e desalojados do centro em busca de trabalho e moradia – construídas nas encostas e alugadas pelos imigrantes de mais posses.
As fábricas dominaram a região até os anos de 1960, quando questões ambientais e a formação de novos polos removeram as indústrias para longe do centro. Ficaram as chaminés, visíveis no “Tijolinho” e no “Boulevard Extra”. Desde então, a história do Andaraí ficou mais conhecida por alimentar a crônica de violência da cidade, apesar das referências suaves em novelas e nas músicas.
Imagem: Geiger, Pedro Pinchas, 1923-; Jablonsky, Tibor/1958/Acervo IBGE
Fundada em 1885, mas com registros de operação desde 1836, a Fábrica de Tecidos Confiança deixou marcas na geografia urbana do bairro: na ocupação das encostas dos morros e em dezenas de casas construídas como vila operária – parte do conjunto está preservado desde 1992. Noel Rosa registrou em suas músicas os três apitos da fábrica que faziam parte do cotidiano da região. A Companhia encerrou suas atividades em meados da década de 1960 e suas instalações tiveram, posteriormente, nova destinação de uso: abrigam, atualmente, as atividades de uma rede de supermercados.
Crédito da Imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
A Companhia de Fiação e Tecidos Confiança também mantinha o clube Confiança Atlético Clube que disputou o campeonato carioca na época do amadorismo, e no profissionalismo, a Terceira Divisão em 1990 e a Segunda em 1991, sendo em seguida extinto. A sede e a praça de esportes, localizadas à rua Silva Teles, foram cedidas à escola-de-samba Acadêmicos do Salgueiro.
Crédito da Imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
Apesar do CEP atual, o SESC Tijuca fica no Andaraí. Quando foi inaugurado, em 1977, pelo governo Ernesto Geisel, estava em uma área do Andaraí Grande. O projeto tem arquitetura contemporânea, com destaque para os jardins de Burle Marx. O centro de profissionalização e lazer fez parte do projeto tecnicista da educação durante o período da Ditadura Civil-militar no Brasil.
Crédito da Imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
De estilo arquitetônico imponente, o então Quartel Regional do Andaraí foi construído durante os anos de 1909/1910. Em 1922, o edifício foi ocupado pelo 1º Batalhão de Caçadores do Exército e, em 1924, passou a receber a designação de 6º, na Ordem numérica das Unidades da Corporação. Começou como batalhão de infantaria, depois; batalhão de PM do DF, após; batalhão da PM da Guanabara e por fim, batalhão da atual PMERJ.
Crédito da Imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
A primeira FdM (Filha da Misericórdia) educadora foi a Madre Maria Josefa Rossello, que com algumas companheiras respondeu às exigências sociais e religiosas do momento e se colocou a serviço da misericórdia. O êxito do trabalho foi positivo a ponto de consolidar-se e multiplicar-se primeiro na Itália e depois na Europa, América, Índia e África. Chegaram no Brasil em 1926, no Rio de Janeiro, com uma missão junto aos filhos de militares na Fundação Osório. Em 1928 as Irmãs deram início à missão educativa no Colégio Nossa Senhora da Misericórdia.
Crédito da Imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
A primeira capela de São José e Nossa Senhora das Dores foi construída em 1872, em estilo barro colonial. A história da capela se mistura com a dos Missionários Passionistas que chegaram ao Rio na década de 1920. A Igreja atual foi entregue ao uso da comunidade, embora não totalmente concluída, em 1949. As torres e a cúpula foram construídas mais tarde, em 1955. Ambas, porém tiveram sua altura reduzida. Só no ano de 1999 a comunidade conseguiu construir a cúpula e no ano posterior foi feito a pintura interna da Igreja.
Crédito da Imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
A unidade hospitalar tem sua origem em 1945, quando o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (IAPM), adquire a antiga Casa de Saúde São Jorge para prestar assistência médica a seus assegurados e beneficiários. Em 1955, foi inaugurado o edifício do Hospital Central dos Marítimos (HCM). Com áreas destinadas à circulação vertical e amplos corredores de acesso, o prédio foi construído com recursos dos próprios marítimos, que doaram um dia de seu salário para levantar o hospital. Somente 12 anos depois, em 1967, é que a unidade começa a ser chamada de Hospital do Andaraí. Hoje, o Hospital Federal do Andaraí (HFA) é uma unidade própria do Ministério da Saúde que presta assistência hospitalar, ambulatorial e de emergência de alta complexidade.
Crédito da Imagem: Site Ministério da Saúde
A história do Condomínio Solaris da Torre, mais conhecido como Tijolinho, teve início em 1976, quando o Banco Nacional da Habitação (BNH) adquiriu da antiga América Fabril dois lotes do terreno para a construção de um parque residencial destinados à moradia de famílias de classe média. Foi a primeira vez que um concurso de arquitetura para um projeto de interesse social foi realizado e a expectativa era que ficasse pronto em 2 anos. Com a falência da Construtora Marajá, em 1983, um grupo de cooperativados se uniu para impedir que o empreendimento fosse incorporado à massa falida. Os 8 blocos de edifícios com 14 andares foram entregues, num total de 1.232 unidades habitacionais. Os tijolos aparentes em toda a área construída são reminiscências da antiga fábrica construída no século XIX e dão originalidade aos moldes das construções inglesas da era industrial.
Crédito da Imagem: Facebook Condomínio Tijolinho
O Renascença, ou Rena para os mais chegados, foi fundado em 1951, na Rua Pedro de Carvalho, no Méier, por um grupo de negros de classe média que queria lutar contra a rejeição racial sofrida pelos seus associados em outras agremiações renomadas do Rio. No final daquela década, o clube foi transferido para o Andaraí. Neste contexto, a criação de um espaço social próprio deu uma oportunidade para a recreação, sociabilidade e ação dos indivíduos de sua raça - a formação do clube foi impulsionada pela auto segregação, já que somente tinham direito de serem sócios os negros de classe média. Sua história e relevância irradiaram-se durante os concursos de beleza, que tiveram imensa repercussão para o Clube nos anos sessenta, e prossegue, nos dias de hoje, com o reconhecido evento “Samba do Trabalhador”, sem vetos ou segregações de raça e classe.
Crédito da Imagem: Thiago Diniz/Rolé Carioca
O nome Andaraí deriva da expressão indígena "Andira-y", que significa rio dos morcegos na linguagem dos tamoios que habitavam a região. É uma referência ao grande Rio Joana que desce do Morro do Andaraí e segue entre as duas pistas da Rua Maxwell em direção à Praça da Bandeira, até desaguar na Baía de Guanabara. No passado, o rio foi navegável, fonte de pesca para alimentação. Hoje em dia os mamíferos roedores andam sumidos, mas ainda podem ser vistos pelas redondezas, atraídos por sapotis e outras árvores frutíferas.
A música composta pelo sambista Nei Lopes e interpretada por Zeca Pagodinho tornou o bairro, o extinto clube e o desconhecido jogador famosos no Brasil inteiro. Poucos cariocas sabem que Andaraí também foi um clube de futebol. O Andarahy Athletico Club, fundado em 1909, chegou ao vice-campeonato da AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Athleticos) em 1934. Já o Dondon, cujo nome era Antônio de Paula Filho, foi um dos craques do clube e fez parte do time vice-campeão carioca. O estádio do Andarahy ficava na rua Barão de São Francisco. Repassado ao América na década de 60, acabou sendo vendido nos anos 90 para que ali fosse construído o Shopping Iguatemi.
Foi no Andaraí, enquanto ouvia ao ensaio do Cordão Rosa de Ouro, que Chiquinha Gonzaga compôs "Ó Abre Alas", a primeira marcha carnavalesca que se tem notícia, em 1899. Um século depois, seria a vez de Marcelo D2 comparar a vizinhança ao bairro do Brooklyn, de Nova York, em “Eu Tiro é Onda”. E quem se recorda dos momentos cômicos da novela “Celebridade”, de 2003? O salão de Salvador (Roberto Bomfim), onde as manicures Darlene (Deborah Secco) e Jaqueline Joy (Juliana Paes) tentavam a todo custo ser famosas, ficava no Andaraí.
Realizadas todas as segundas-feiras no Clube Renascença, a roda de samba comandada por Moacyr Luz (parceiro, entre outros, de Aldir Blanc) é considerada uma das mais animadas do Rio e costuma lotar. A dica é chegar cedo, quando a casa abre, por volta das 17h. A roda surgiu a partir da ideia de aproveitar o dia em que os músicos normalmente não trabalham e reunir os colegas de melodia para fazer um som da melhor qualidade. Canjas já se tornaram de praxe, com novos participantes, muitas vezes ilustres.
End: Rua Barão de São Francisco, 54
Tel: (21) 3253-2322
Site: www.facebook.com/RenascencaClube
Crédito da imagem: Tyno Cruz/Facebook Renascença Clube
Desde 2009, Luiza Souza comanda a cozinha do autêntico botequim da região do Andaraí, ao lado do sócio Leandro Amaral. O cardápio criativo inclui o bolinho de vagem, croquetes surpresa, polentinha com rabada, almôndegas empanadas no queijo parmesão, atoleiro carioca, entre outros acepipes. No fim de semana, sugestões como o bobó de camarão servem até duas pessoas em porções generosas. Para acompanhar, uma boa gelada na garrafa.
End: Rua Barão de Mesquita, 615 - loja C e D
Tel: (21) 3549-0857
Site: www.facebook.com/bardagema
Crédito da Imagem: Facebook Bar da Gema