A versão eurocêntrica da fundação da cidade do Rio de Janeiro inicia com a expulsão dos franceses e a autodeterminação dos portugueses como donos de uma terra já habitada pelo povo tupinambá. Cidades no Brasil foram construídas sobre aldeias e corpos indígenas, a partir do soterramento dos seus patrimônios. A grande Batalha de Uruçumirim foi travada onde hoje está o bairro da Glória que recebeu este nome devido a vitória dos portugueses, os quais promoveram a carnificina contra o povo originário desse lugar.
Foto: Thiago Diniz
Passamos pelo mural-galeria de arte a céu aberto do projeto cultural e artístico Caminho Ancestral da Glória que tem por objetivo dar visibilidade à história ancestral do bairro. Frente a este projeto artístico, podemos refletir sobre como a resistência e autoexpressão dos povos indígenas pode ser percebida também em diferentes manifestações artísticas.
Foto: Thiago Diniz
Após o domínio dos territórios ancestrais dos povos originários, geralmente as igrejas eram erguidas sobre aldeamentos ou paliçadas de resistência, como foi o caso da Igreja da Glória, construída com mão de obra escravizada indígena e africana. É uma das estratégias de apagamento dos povos, de suas culturas e línguas, demonstrando a supremacia sobre o outro, justificando através do sagrado a vitória e escondendo toda a violência e extermínio produzidos.
Foto: Thiago Diniz
A Guerra das Canoas é narrada como o conflito entre franceses e portugueses, no qual São Sebastião surge pulando de canoa em canoa dando ânimo aos portugueses cristãos, tornando-se assim o santo padroeiro da cidade, representado perfurado por flechas, amarrado a um poste, em uma analogia a Estácio de Sá, morto por uma flecha envenenada de Aymberê, um Tupinambá.
Foto: Wikimedia Commons
Antiga residência aristocrática de um português que enriqueceu com o comércio de pessoas escravizadas, o Palácio do Catete se tornou a sede da presidência da República e, portanto, local de decisões políticas de governos que afetaram diretamente as populações indígenas. Do Império à República, essas decisões foram orientadas por uma perspectiva integracionista, ou seja, o entendimento de que era necessário civilizar os povos indígenas (considerados “selvagens”), de acordo com os parâmetros europeus para que pudessem fazer parte da nação.
Guanabara, seio do mar em tupi, a mama de onde brotava a água do mar, se prolongava e gerava as muitas vidas, humanas, da fauna e da flora. O mar atingia áreas extensas e esbarrava nos morros e colinas da Mata Atlântica. Eram muitas as ilhas e ilhotas que existiram antes dos afogamentos e aterramentos, ao menos 127 ilhas flutuavam no arco da Baía de Guanabara. Era como um lugar encantado. Na mitologia do paraíso tupinambá, a gûaîupîa ou guajupiá era o lugar idílico, recoberto de flores e regado por um maravilhoso rio com uma terra bela e árvores nas margens.
No domínio tupinambá da Guanabara existiam pelo menos 84 tabas (aldeias, em tupi), com nomes próprios. Em cada, haviam de 7 a 8 malocas (casas comunitárias) com cerca de 500 a 600 moradores. A Ilha de Paranapuã (Ilha do Governador) era o reduto dos temiminós que apesar de traços culturais comuns eram rivais dos tupinambás e se aliaram aos portugueses por terem sido expulsos do seu lugar de origem pelos tupinambás com apoio dos franceses; mas até então rivalidade não significava dizimar o oponente conforme a lógica do colonizador europeu.
No século XVI, um escritor francês relatou a existência de uma aldeia tupinambá chamada Karióka em uma das fozes do rio, que se tornou o principal responsável pelo abastecimento de água da cidade. Denominado então rio carioca, foi fundamental para a nossa sobrevivência. O seu corpo hídrico tem nascente na Floresta da Tijuca, mas hoje a maior parte se encontra aterrada.
Quem são os sujeitos representados nos monumentos espalhados pela cidade? Em maio de 2023, foi divulgada uma pesquisa afirmando que menos de 10% dos monumentos no Rio retratam pessoas negras. De 358 bustos e estátuas, apenas 32 personalidades são negras, divididas entre 29 homens e apenas três mulheres. Esses dados são alarmantes e é ainda mais preocupante quando percebemos a grande ausência de patrimônios que representam indígenas, mas a permanência das homenagens para aqueles responsáveis pelo genocídio desses povos, como Estácio de Sá.
Valiosa e rara peça da cultura material dos povos indígenas, o Manto Tupinambá, um tecido com penas vermelhas de guará, era utilizado por pajés durante alguns rituais. No início da colonização, foi levado por viajantes europeus e ficou preservado no Museu Nacional da Dinamarca. Em junho de 2023, foi anunciado que retornará definitivamente ao Brasil para integrar a coleção do Museu Nacional no Rio de Janeiro.
Foto: BBC
Yandê é a primeira web rádio indígena do Brasil, criada com o objetivo de compartilhar conteúdos multimídia e contribuir com o resgate e empoderamento das diversas culturas indígenas do país. No ar desde 2013, a rádio tem colaboradores e correspondentes de todo o Brasil, com programação que inclui entrevistas, podcasts, músicas tradicionais e contemporâneas, programas educativos, entre outros materiais. A Rádio Yandê tem site e está no Facebook, Twitter, Youtube e Instagram.
Arte: Respeitar é preciso
As cidades invadiram os territórios dos povos originários e até os dias de hoje muitos são forçados a migrar das áreas em que vivem para os centros urbanos. Nos últimos anos, grupos indígenas se organizaram, lutaram, ocuparam espaços e desenvolveram aldeias urbanas. No Rio de Janeiro, por exemplo, surgiram a Aldeia Vertical no bairro do Estácio e a Aldeia Maracanã no antigo prédio do Museu do Índio que corria risco de demolição.
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Art déco é um estilo que combina desenhos modernos com elementos tradicionais, formas abstratas e geométricas, e que se destacou na arquitetura. No Brasil, o resgate dos temas indígenas proposto pela Semana de Arte Moderna de 1922 impactou profundamente o estilo que se apropriou de elementos da arte produzida pelos povos indígenas da Ilha de Marajó (PA). A influência da arte marajoara se tornou expressiva nas edificações arquitetônicas do país, muitas no Rio de Janeiro.
Foto: Conexao decor
Autoria do jornalista Rafael Freitas da Silva, o livro “O Rio Antes do Rio” aborda a história da Guanabara Tupinambá e suas aldeias ancestrais, a disputa entre portugueses e franceses, o genocídio contra os nativos e as batalhas que marcaram a fundação do Rio de Janeiro.
Arandu Arakuaa é uma banda brasileira de metal indígena. Todas as músicas são cantadas em tupi-guarani e abordam as culturas indígenas. Esse trabalho artístico pode ser encontrado em diversas plataformas de Streaming e nas redes sociais.