Urbanismo no Catete: ocupando vazios subutilizados
Entrevista com o arquiteto Raul Bueno,
"Deixou um rastro". Assim o arquiteto urbanista Raul Bueno classifica o impacto negativo causado pelas obras do metrô na região do Catete, Largo do Machado e Flamengo. "O exemplo clássico do Largo do Machado é o Detran atrás do Cinema São Luiz. Toda a quadra sofreu diversas demolições que não precisariam ocorrer caso o metrô tivesse sido mais bem planejado", opina Raul. A falta de planejamento conduziu a um outro problema, que a região convive até os dias de hoje: vazios subutilizados mesmo 30 anos após a inauguração das estações de metrô. Entre outras mazelas, esses 'buracos' trouxeram insegurança para a área, especialmente na estação Flamengo, onde todos os edifícios deram costas a rua Paulo VI, deixando toda uma rua abandonada.
Para reorganizar o bairro e aumentar a circulação de pessoas pelas ruas, Raul defende um urbanismo que não seja dedicado aos automóveis. O arquiteto assina, ao lado de Adriana Sansão e Raphael Pinheiro, uma solução que transforma vagas de estacionamento em espaços de convivência (os chamados parklets) na rua Barão do Flamengo. Para quem ainda não ouviu falar, o parklet é uma extensão da calçada que se assemelha a uma minipraça equipada com bancos, mesas, árvores ou um bicicletário. A instalação dessas áreas no lugar de vagas já está sendo autorizada pela Prefeitura do Rio, que criou o programa Paradas Cariocas para que empresas, comerciantes e também os moradores da região assumam a instalação, manutenção e remoção dessas plataformas.
Batemos um papo com Raul para entender melhor a função desses parklets e outras soluções urbanísticas possíveis que beneficiariam o entorno do Largo do Machado.
-Por que planejar espaços de convivência no lugar de vagas para automóveis?
O paradigma do planejamento urbano foi sempre voltado para o automóvel e para os ônibus. Existe a necessidade de tantas vagas dedicadas a automóveis? Se todo mundo quiser andar de carro, não vai dar. A cidade já está parando. O percurso que você faz em velocidade média já é bem inferior a 20 km/h. Na hora do rush, a velocidade é bem menor. Os projetos ainda são feitos para passar uma avenida que só servirá aos automóveis. E isso não é "tudo bem", porque não leva em consideração que a maioria das pessoas não tem automóvel. Não há uma visão do poder público de que a rua é um lugar também para as pessoas, ou que a rua é ainda mais segura com as pessoas.
-Algumas ruas do Catete sofrem até hoje com o abandono causado pelo metrô...
A partir da estação do Catete até o Flamengo, fica bem claro o rastro deixado por essas obras. Quando você observa a rua Paulo VI, por exemplo, ela é uma praticamente rua vazia. Uma rua que ficou com uma característica de corredor: um muro sem acesso, sem janela e porta, um lugar sem um uso. A maior parte da rua tem essa configuração, só os fundos dos edifícios voltados para ela. E rua com pouca gente circulando por ela fica perigosa. Mesmo aquele terreno que tem acesso da Paulo VI e Marques de Abrantes, não há nada voltado para ele, não há lojas, portarias. Todos os edifícios deram costas a Paulo VI, deixando toda uma rua abandonada! Outro vazio deixado pelo metrô: uma praça entre a São Salvador e a Marques de Abrantes. Por que essa praça não deu certo? Quando você olha, nenhum edifício dá acesso para ela.
-Já na rua Barão do Flamengo, existem lojas e prédios voltados para ela. Qual seria a função da intervenção que você propõe para ali?
Transformar a rua num lugar mais seguro, mais vivo para as pessoas. Você não tem ali uma vida urbana tão intensa quanto poderia ter, dado ao excesso de vagas. Sempre tem gente no Tacacá do Norte, nos barzinhos do entorno, mas podia ser um espaço muito mais confortável para as pessoas se você tirasse 10% das vagas para automóveis ali existentes. Esse tipo de urbanismo de micro-escala que chamamos de parklet funciona na base do 'feed back': se der errado, dá para desfazer, de forma bem simples.
-Os parklets podem causar polêmica? De onde vem a resistência?
Sim, assim como alguns poucos reclamaram das bicicletas, também podem chiar sobre a adoção dos parklets. Precisamos abrir mão de expressões como 'moleque de rua'. Rever esse sonho do condomínio, de que seria melhor criar um lugar como se fosse uma cidade muito pequena, para ficar mais seguro criar as crianças, para as crianças poderem ir a pé para a casa dos amigos. Mas o condomínio não é uma cidade. Por que a cidade não pode ser um grande condomínio das crianças?
- O que ainda falta para a adoção esses espaços?
Os moradores, comerciantes e a comunidade assumirem que o parklet é uma coisa possível. Agora já existe um canal oficial para quem é proprietário de uma loja/bar/estabelecimento comercial pedir autorização para a instalação de um parklet. É muito melhor colocar mesinhas no lugar de vaga de automóvel e não atrapalha a circulação de pedestres, deixa o passeio livre. A prefeitura já tem dado espaço para isso. Também é preciso melhorar a qualidade do passeio (das calçadas). As ruas não foram planejadas para idosos que vão fazer compras no supermercado, ou para quem leva o bebê para passear no carrinho, nem mesmo para quem vai andar de bicicleta. Existe dificuldade em circular pelos passeios, e o uso deles tem que ser cotidiano, não é só para o final de semana, uma vez por mês. É para o dia a dia das pessoas. Mesmo em áreas que já passaram pelo Rio-Cidade (projeto urbanístico dos anos 90), as calçadas não são confortáveis. Se já sentimos falta disso aqui no Catete, Flamengo, o que dirá em outros locais da cidade, como Madureira, Santa Cruz?
Você sabia que uma vaga de carro corresponde a 10 árvores ou bancos para até 12 pessoas ou um bicicletário para 12 bikes?
Veja detalhes do projeto para a rua Barão do Flamengo citado na matéria, neste link.
Raul Bueno é arquiteto urbanista na De Fournier & Associados e leciona no Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio. Ao projetar, busca o equilíbrio da cidade com o meio ambiente. Mora no Rio de Janeiro e é um ciclista inveterado. Só falta pedalar da Gávea ao Fundão.