Um cinema de rua que deu certo graças aos moradores de Santa Teresa
Depoimento de Fernanda Oliveira,
"O cinema foi um agente transformador da minha família. Eu e minha irmã, Lucia, trabalhamos na mesma videolocadora do Grupo Estação, que foi a mais importante do Rio de Janeiro durante duas décadas. Quando comecei a trabalhar lá, morava em Santíssimo, onde não tinha nem banca de jornal e só pegava rádio AM. Então, aos 18 anos, me deparei com toda essa informação que é o cinema. A locadora ficava dentro do complexo de cinemas em Botafogo e eu não só tinha acesso aos filmes para aluguel como também a todo o backstage do cinema - assistia aos filmes de dentro da cabine.
Muitas vezes minha mãe também via filmes enquanto nós trabalhávamos, e tudo isso alterou a estrutura da minha família. Ela, dona de casa sem o primário completo, hoje em dia discute sobre cinema do mundo inteiro, inclusive ‘cult movies’. O cinema tem essa capacidade. De pegar mesmo um analfabeto e sensibilizá-lo pela imagem, som, movimento, no escurinho, na intimidade de uma sala de cinema.
Depois conheci meu marido, que é músico e produtor musical, e um belo dia viemos morar em Santa Teresa – um bairro que é arte pura, um local incrível com pessoas interessantes, diálogos pertinentes e tudo isso veio ao encontro de nossas vivências artísticas com cinema, música e teatro. Acabamos criando um projeto com afinidade com que fazíamos, um empreendimento para a nossa vizinhança, Santa Teresa.
O Cine Santa começou em 2002, no formato de um cineclube. Eu disponibilizada todos os filmes do meu acervo, copiados da videolocadora, e os exibia dentro da Igreja Anglicana. Conseguimos uma parceria muito bacana com a líder da igreja na época, uma mulher jovem que entendeu a nossa proposta e acolheu o projeto. A exibição acontecia aos domingos, depois da missa, com a renda revertida para a congregação. Durante 2 anos, estivemos na igreja, o que era, no mínimo, inusitado. Movimentamos bastante o bairro, com exibições importantes, recebendo diretores de cinema como Cacá Diegues. Lembro quando o Walter Carvalho foi na sessão de exibição do documentário sobre o Glauber Rocha, “Glauber, o Filme”, e a surpresa dele ao ver a tela no altar da igreja!
Depois conseguimos que a administração municipal cedesse um espaço que não era utilizado nos fundos de um posto de policiamento comunitário. Conseguimos as autorizações, um projetor emprestado, uma tela usada, cadeiras de um cinema da Ilha do Governador e tocamos o cinema durante um ano ao lado da polícia: eles na parte da frente, onde hoje em dia é a bomboniere, e nós nas dependências dos fundos. Deu muito certo e os moradores foram parte fundamental disso. Criamos um clube, o Clube de Amigos de Santa Teresa, onde o morador se associa e tem direito à meia-entrada no cinema. Não temos patrocínio e dependemos, até hoje, da bilheteria para manter o funcionamento.
Inauguramos a sala como ela é hoje em 2005 e acabamos virando uma referência de cinema de rua, de bairro, um "nano exibidor" sem patrocínio. Quando tem um espaço que está fechando, vai fechar, parado, sempre lembram da gente, da sala de cinema que deu certo numa dependência de polícia."
A produtora Fernanda Oliveira e o músico Adil Tiscatti formam o Grupo Casal e, há 15 anos, estão à frente do Cine Santa. Também administram a sala de cinema e o teatro da Universidade Candido Mendes (Ipanema), o cinema do Museu da República (Catete) e o Cine Carioca, uma sala de última geração na comunidade Nova Brasília (Bonsucesso).
Cine Santa
End.: Rua Paschoal Carlos Magno, 136
Tel.: (21) 2222-0203
http://www.cinesanta.com.br/